Viver e traduzir parte 2: uma conversa com Laura Wittner.
Conversamos sobre tradução & Taylor Swift.
Na primeira parte da nossa conversa sobre tradução que tivemos nessa edição aqui: Viver e traduzir: uma conversa com tradutores, contei para vocês minha paixão e admiração por esse ofício, e da descoberta do livro Viver e traduzir da Laura Wittner, com tradução de Paloma Vidal e Maria Cecilia Brandi (Ciça). Além disso, tivemos a participação de várias tradutoras respondendo a mesma pergunta. Foi mágico e se tornou uma das minhas edições favoritas. Tive o prazer de conversar com a Laura por e-mail, e ela topou responder algumas perguntas nessa edição especial que está saindo no dia internacional da tradução!
Laura Wittner é uma escritora, poeta, roteirista, editora e tradutora nascida em Buenos Aires em 1967. Formada em Letras pela Universidade de Buenos Aires, também fez estudos de pós-graduação em Nova York. É autora de vários livros de poesia & de livros infantis. No Brasil, além de Viver e traduzir da autora, foi lançado o livro de poemas Tradução na estrada.
Quero agradecer a Laura, que foi super simpática e receptiva, e também a minha amiga Luana Maria, que me ajudou em algumas perguntas (ela tem um dos melhores Instagrans literários, o @espiraleitura ). As perguntas foram feitas em espanhol e possuem tradução livre.
JV: Laura, a edição brasileira conta com uma ''tradução conversada'', como é definido pelas tradutoras Paloma Vidal e Maria Cecilia. É como se estivéssemos lendo seus diários, mas com anotações da Paloma e da Maria nas bordas, criando uma conexão-conversa entre você, elas, e nós, leitores. Quando o livro for traduzido para outras línguas, e ocorrer uma tradução mais conversada também, irá surgir outro diálogo, uma conversa diferente da edição brasileira. Isso não é mágico? O que você achou dessa ''tradução conversada'' na edição brasileira?
LW: Essa ideia de Ciça e Paloma me entusiasmou muito, me deixou muito contente. Quando me contaram que estavam escrevendo as notas e me mostraram algumas, ficou completamente óbvio para mim que tinha que ser assim: que um livro sobre o cotidiano do trabalho de tradução, se fosse ser traduzido, também deveria acolher o dia a dia dessa nova tradução. Ainda mais se fosse traduzido por duas pessoas. Acho que esse diálogo que ocorre entre elas e, ao mesmo tempo, entre elas e o texto, enriquece o livro – quase o duplica, o desdobra. E é muito bonito porque as notas não se referem apenas a questões linguísticas. O fato de que Paloma, além disso, tenha nascido na Argentina e conheça tão intimamente a idiossincrasia de ambos os países dá mais um giro a esse jogo de idas e vindas que ocorre na edição brasileira de Viver e Traduzir. Seria lindo que agora o traduzissem do português para outro idioma e assim por diante, acrescentando mais notas. É uma brincadeira, mas mesmo assim seria lindo.
JV: Em 'Viver e Traduzir', você menciona que traduzir mistura tudo com tudo: pode ser algo lindo, horrível e desesperador. Você amplia o que entendemos por tradução, mostrando que ela está presente em muitos aspectos da vida, como nas ruas que percorremos, em cartazes, filmes, músicas, conversas e viagens. A tradução envolve corpo, cotidiano, emoções, intelecto, pesquisa e desejos. É magia, dor e intuição, além de um jogo sonoro com as palavras que faz com que a tradução entre línguas ganhe profundidades inesperadas. Você acha que seu livro e seus ‘registros de tradução’ podem inspirar outras tradutoras a escrever sobre suas próprias experiências? Já pensou sobre isso?
LW: Não tinha pensado nisso, mas seria muito bonito, embora, claro, eu não seja a 'inventora do método'. Na verdade, existe o belíssimo Música prosaica, de Marcelo Cohen, que é bem anterior, foi publicado em 2014 (também pela Entropía). Mas, ainda antes de o livro ser lançado, Marcelo havia lido um desses textos em uma reunião do Clube de Tradutores Literários, em Buenos Aires, e eu fiquei fascinada. O texto se chama 'Persecución. Pormenores de la mañana de un traductor', e agora penso que provavelmente foi isso que me levou a buscar todas essas notas que eu tinha tomado, de forma desordenada, ao longo dos anos, e que quase sempre se referiam a essas coisas: a pormenores, a manhãs, à tradução, às perseguições.
O blog do Clube de Tradutores Literários: https://clubdetraductoresliterariosdebaires.blogspot.com/
JV: Recentemente, foi criado um coletivo aqui no Brasil chamado 'Quem Traduziu', que reúne tradutoras de todo o país, unindo forças para obter maior visibilidade na profissão, mais reconhecimento, melhor remuneração e prazos de entrega mais justos. Traduzir é exaustivo e solitário, e vocês sentem isso até no próprio corpo, chegando a enfrentar até jornadas duplas ou triplas de trabalho. Você acredita que essas reivindicações coletivas podem ajudar? Isso também tem ocorrido na Argentina?
LW: Sim, acho que podem ajudar, e sim, também aconteceu na Argentina, e aqui tenho que mencionar novamente o Clube de Tradutores Literários, porque foi dessas reuniões que surgiu, há muitos anos, um grupo de tradutoras e tradutores que lutaram seriamente por certas condições de trabalho que quase não existiam até então na profissão: um tarifário base, contratos que determinassem o tempo pelo qual a tradução é cedida à editora (no nosso caso, seguimos o tarifário da Associação Argentina de Tradutores e Intérpretes, que também fez parte desse grupo inicial), a possibilidade de receber um percentual das royalties de vendas após o primeiro pagamento. Todas essas ideias não eram nada óbvias até então e, atualmente, estão muito mais difundidas, embora nem todas as editoras possam ou queiram se adequar. Mas essa militância conseguiu, definitivamente, que a tradução fosse considerada pelo que é: um trabalho meticuloso, lento, delicado; uma criação literária. Um tradutor é um autor.
JV: Quando lemos ''Viver e traduzir'' para meu clube do livro, ficamos encantados com o ofício da tradução e também com o poder da sua escrita. Além de livros infantis e de poesia, você pretende escrever romances? Adoramos a sua escrita, e acredito que muitos gostariam de ler um livro de ficção escrito por você.
LW: Muito obrigado, vocês são muito gentis. Não, não penso em escrever um romance, ou não tentei até o momento. Suponho que eu gostaria, mas não imagino que seria capaz, a menos que encontrasse algum formato suficientemente fragmentário e disperso para sentir que estou escrevendo poesia.
JV: Você quase traduziu Louise Glück para o espanhol, que, a propósito, é minha poeta favorita! Há algum autor ou algum livro que você sonha em traduzir? Alguém de quem você gostaria de ser a sombra e entrar na cabeça dele? E por quê?
LW: Adoraria traduzir os novos poemas de Margaret Atwood. Um livro chamado Dearly [Poemas tardios, com tradução de Stephanie Borges1], que foi traduzido para o português, pelo que pude ver. Mas não para o castelhano. Também adoraria continuar traduzindo James Schuyler, que é meio que meu trabalho em andamento de tradução desde que comecei a lê-lo em 1997. Bem, há muitas pessoas que eu gostaria de traduzir, mas para isso precisaria de tempo e que alguém me contratasse e adquirisse os direitos para publicar o livro. Claro que sempre estou traduzindo um poema aqui e outro ali só para me divertir, e porque traduzir poesia me parece o método mais eficaz para me acalmar um pouco nestes tempos horríveis que estamos vivendo na Argentina.
JV: Pergunta bônus: sei que você é fã da Taylor Swift, é swifter. Qual sua música favorita do The tortured poets department: The anthology? Preciso dizer que a minha é The Prophecy hahaha
LW: Essa é a pergunta mais difícil de todo o questionário, porque, claro, comecei a ouvir TTPD no instante em que saiu (ainda antes de saber que seria The Anthology!) e desde então minha favorita foi mudando; acho que não há uma única música do álbum que eu não goste muito. Posso rastrear o primeiro percurso: "Who’s Afraid of Little Old Me" foi a primeira que me fisgou, enquanto eu viajava de metrô numa manhã, no dia em que o álbum foi lançado; mas logo minha preferida foi "How Did It End" e, em seguida, formou-se um bloco de favoritas interligadas: "The Albatross," "Chloe or Sam or Sophia or Marcus" e "How Did It End." Depois, tive algumas semanas completamente thanK you aIMee e, finalmente, como você, cheguei a "The Prophecy" (acho muito engraçada a frase: “Who do I have to speak to / About if they can redo / The prophecy?”) e "The Bolter," porque é a que minha filha tem cantado na guitarra sem parar nos últimos dias. Precisei ouvir a versão dela para começar a apreciar, e agora é uma das minhas favoritas. O que faz sentido, porque foi ouvindo minha filha cantar as músicas da Taylor que, finalmente, me tornei swiftie.
Embora, não: "The Black Dog" e "I Can Do It With a Broken Heart" são as que mais ouço agora-agora. Que música linda é "The Black Dog," não?
De qualquer forma, a ponte de "How Did It End" continua piscando acima de tudo, e toda vez que canto “Say it once again with feeling” sinto que me elevo alguns centímetros do chão.
Nota minha.
que delícia ler sobre tradução! <3 amei a edição de hoje, especialmente o final em que a diva entregou sua análise swiftie
amei demais a entrevista, joão! e ela falando de "Say it once again with feeling"!!!!!! somos todos laura <3