Como começar uma Newsletter? Com um boa noite ou um Olá, amigos? De qualquer maneira: Oi, gente! Espero encontrá-los bem. Decidi criar uma Newsletter porque não estava mais satisfeito com o formato do Instagram, nem com a comunidade do bookgram (bom, isso vai ser um papo para outro momento). Acredito que aqui será um espaço mais interessante para eu me expressar e registrar minhas leituras & minha vida. Já dizia minha bio: eu falo sobre livros & consequentemente sobre mim.
Conversei com vários amigos, mas a pessoa que mais me ajudou a tomar coragem e mudar o meu foco foi a Babi, que possui uma das News mais famosas desse Brasil:
Ela me mandou áudios esclarecedores e é uma dessas pessoas queridas que o bookgram me apresentou. Obrigado, minha querida!
Voltemos ao que interessa: terminei recentemente o livro Maternidade (2018), com tradução de Julia Debasse e de autoria da Sheila Heti, escritora canadense de origem húngara. E apesar de ter achado o livro repetitivo em alguns momentos, me apaixonei pela forma de escrita da autora. Quando comecei a ler, eu sabia que ela iria mexer com algo aqui dentro. Nele, a autora utiliza uma adaptação do I Ching (uma filosofia chinesa que consiste em você rodar 3 moedas para obter uma resposta) para responder questões sobre sua vida e sobre a maternidade.
Resolvi que iria fazer esse experimento assim como a protagonista do romance: buscar respostas. Adaptei a adaptação, já que não achei 3 moedas e tenho apenas uma aqui comigo (quem ainda anda com moedas?).
Cara: sim. Coroa: não. (Não manipulei as respostas)
Estou fazendo certo em deixar para lá o Instagram e focar na Newsletter?
Não.
Devo então continuar tudo do jeito que está e esquecer essa Newsletter?
Sim.
Então esse texto nunca vai ao ar e ninguém além de mim irá lê-lo?
Sim.
Estou escrevendo esse texto à toa?
Não.
É um exercício de escrita?
Sim.
É um exercício para algum projeto futuro?
Não.
É um exercício para melhorar minha escrita e me conhecer melhor como indivíduo?
Sim.
Devo levar em conta essas respostas e obedecer?
Não.
Certo! Se você está lendo isso, obviamente eu desobedeci a moeda, criei a Newsletter e deixei o bookgram um pouco de lado.
Fiquei fascinado pela Sheila Heti e pela forma que ela escrevia. Maternidade foi meu primeiro contato com a escritora e isso me causou um deslumbre pessoal sobre ela. Comecei a ler e ouvir entrevistas da autora, buscar sobre outras obras, seu lifestyle e onde ela vive. Seus livros são performáticos e brincam com o que é um romance, o que não é; o que é ficção, o que não é; o que é arte, o que não é.
O último lançamento da autora, Alphabetical Diaries (2024), lançado apenas lá fora e sem previsão de chegar ao Brasil, é um compilado de entradas de seus diários que ela mantinha no computador. A autora embaralhou todos esses textos, reorganizou por ordem alfabética com a primeira letra de cada entrada. Foi um projeto experimental que ela trabalhou e editou por mais de 10 anos. Achei interessante que, em uma de suas entrevistas, Sheila disse que voltava aos diários antigos para esse projeto e que seus pensamentos e ideias não haviam mudado. Obviamente ela mudaria algum estilo de escrita, mas os conflitos internos eram os mesmos. Aquilo ainda era ela!
Eu mantenho diários/cadernos desde 2018, totalizando mais de dez volumes completos. Sempre que eu revisito meus escritos eu sinto a mesma coisa. Lembro que em algum deles eu escrevi algo como ‘’Para que continuar escrevendo aqui se tudo se repete e eu estou falando a mesma coisa há anos e nada muda.’’ As mesmas reclamações, as mesmas angústias, os mesmos sonhos. Será mesmo que nunca mudamos e continuamos com as mesmas questões sempre?
Acredito que esses cadernos vão servir para algo no futuro. Precisam servir. Ainda em Maternidade, a protagonista do romance diz que a única profissão que você pode ser considerado jovem para atuar aos 40 anos é a de escritor (a protagonista também é escritora). Ou seja, tenho 15 anos para escrever um romance. Parece muito tempo, mas ao mesmo tempo parece muito pouco. Sheila Heti usou muito desse romance para falar da sua própria vida e suas questões. Tão é, que consideram ele um romance autobiográfico.
Mas o livro da autora que realmente me confundiu e me deixou inebriado até o momento foi Pura Cor (2022), lançamento de agosto da Companhia das Letras e com tradução de Bruna Beber. Li logo em seguida que terminei Maternidade e foi um deslumbre.
Gênesis 2:1-3:
"Assim, pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército. E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que, como Criador, fizera."
Imagine que Deus esteja analisando sua criação no sétimo dia, mas essa criação é apenas um rascunho da humanidade. É esse rascunho que vamos acompanhar em Pura Cor.
O romance é diferente de tudo o que eu já li. É um livro onírico, moderno & também filosófico. A autora brinca com arquétipos para falar sobre arte, beleza, amor, morte, vida e o interior humano. Vamos acompanhar esse rascunho de Deus, mas focado em Mira, sua paixão por Annie e seu amor pelo pai. Além disso, a autora brinca com o conceito de ‘’críticos literários/críticos de arte’’. É uma viagem!
Em um momento contemplativo do romance, a protagonista Mira se transforma em uma folha de uma árvore à beira de um lago, e vários insights internos ocorrem. Toda essa narrativa me lembrou um pouco a escrita de Clarice, especialmente uma crônica em específico:
O milagre das folhas
Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.
Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.
Em uma dessas entrevistas que eu li sem parar, a autora disse que queria um livro difícil de decifrar ou difícil de explicar do que fala, já que em Maternidade, o título já entregava bastante. Ela conseguiu. Ainda não sei se digeri esse romance por completo, ou para quem eu devo recomendá-lo, mas sei que ele vai ficar comigo por bastante tempo.
Os 9 minutos mais prazerosos que passei no substack! Bem-vindo !!!! Amei cada palavra que você escreveu
Faltava você aqui
que maravilha te ver por aqui ainda mais com uma estreia grandiosa dessas!!!!! amei!!!