Romances artísticos & performáticos.
Quatro romances para investigar o fazer artístico & a performance.
Se fosse preciso escolher uma palavra para definir O mundo em chamas da Siri Hustvedt, seria PERFORMANCE.
Siri Hustvedt constrói um romance inteligente, cheio de referências artísticas e filosóficas. Aqui, somos apresentados a uma artista chamada Harriet Burden. Harriet, cansada do sexismo e da rejeição sofrida dentro do mundo das artes, decide fazer um experimento, um grande ato: criou três exposições — suas três máscaras —, e colocou três artistas homens vivos como autores das obras. A recepção, como esperada, foi completamente diferente, as três máscaras de Harriet causaram burburinho e um impacto no mundo as artes, mas a que custo? O envolvimento de Harriet com os três artistas possui contornos obscuros & subjetivos. Quem criou o que? Quem é a criação de quem? Quem seria um sem o outro?
O livro é construído por um pesquisador montando um retrato biográfico de Harriet — que já está morta —, e do seu experimento performático e artístico com suas três máscaras. Nele, há entrevistas com familiares da artista, críticos, amigos e figuras do mundo da arte, além da peça mais interessante: os cadernos de Harriet, onde ela se despia e mostrava sua genialidade e inquietude com ela e com o mundo. Com esse mosaico de depoimentos e pontos de vistas diferentes sobre o caso, conhecemos Harriet, suas três máscaras, e como a ideia de outro corpo, de outro ser, de outro sexo assombrava e encantava a artista.
Para ela ser vista, precisava ser invisível?
Conceitos filosóficos e da psicologia como a estética, percepção & o self são discutidos no romance. A persona que criou determinada arte, afeta diretamente como ela é recebida e até mesmo o que ela significa? Até onde a arte depende do seu autor depois de nascer? O que influencia? Fiquei com vários questionamentos enquanto lia o romance, Siri nos faz pensar.
Terminamos o livro com a sensação de que Harriet é sim real, um espelho de muitas artistas — citadas inclusive dentro do romance — que foram apagadas pelo sexismo durante a História. Tradução de Ana Ban.
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Já em O que eu amava, o outro romance da autora que li, acompanhamos um drama familiar com artistas, poetas, escritores & historiadores. A escrita da Siri é viciante, tinha sido o meu primeiro contato com a autora, mas já sabia que não seria o último.
O livro toma um rumo totalmente diferente nas últimas 150 páginas, quase um thriller, e não conseguia parar de lê-lo. Cena clubber, performances perturbadoras em galerias de artes, quadros nostálgicos, livros sobre histeria e distúrbios alimentares, mortes e mentiras. Muitas mentiras.
Uma curiosidade é que Siri Hustvedt é viúva de Paul Auster, e o autor também foi ex-marido de Lydia Davis. Tradução de Sonia Moreira.
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Talvez Segunda casa de Rachel Cusk seja um dos livros mais difíceis de escrever sobre. Ele está envolto em uma névoa, igual a do pântano onde se passa a história.
M, escritora, conhece a obra do pintor L em um momento de fragilidade. A obra dele causa uma rachadura interna em M. Anos mais tarde, M e o marido criam uma segunda casa no pântano, ao lado da principal, e como mecenas, hospedam artistas.
M, fica totalmente obcecada por L, e o convida para se hospedar na segunda casa. O ofício de M como escritora é totalmente eclipsado pela presença de L e sua estadia. A própria M e o próprio L apenas mencionam que ela é autora de “livrinhos”. Toda atenção e ao fazer artístico/criativo na obra fica focado em L, M é apenas a observadora: a visitante de uma galeria.
L, o pintor, quanto mais perto da escritora ele fica, mais rachaduras internas ele causa nela: no casamento, na relação dela com a maternidade, na sua posição como artista & na sua identidade como mulher.
Quem nos narra a história é a própria M, em um depoimento-quase-carta para um tal de Jeffers — o leitor —, contando o impacto que L teve na sua vida durante sua estadia na segunda casa.
Foi o primeiro livro da Rachel Cusk que realmente gostei. É um livro subjetivo e esteticamente bem escrito, como o quadro da capa. Para mim, a autora se mostrou muito mais interessante, inteligente e poderosa do que na trilogia Esboço. Tradução de Mariana Delfini.
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Essas três recomendações nos levam a última, mas não menos importante: Eu amo Dick, de Chris Kraus.
Chris e Sylvère são casados e vão jantar com Dick. Esse jantar desencadeia uma obsessão de Chris por Dick. Assim, ela e o marido começam a escrever cartas obsessivamente para ele, sem entregá-las. Esse é o enredo do livro, a parte superficial, aquela parte de cima mais dura da gelatina quando deixamos na geladeira por dias.
Acontece que, esse encontro mexe com a psiquê de Chris e uma onda de questões:
- culturais;
- patriarcais;
- feministas;
- intelectuais;
- artísticas;
- sexuais;
- e o que entendemos sobre o self;
são levantadas.
O encontro com o Dick e sua obsessão por ele foi apenas um gatilho para Chris tentar se entender e desmascarar o mundo em que ela vive. É um livro muito diferente, de um gênero diferente: um romance-teórico-ensaístico-de-autoficção. Muito difícil você passar ileso pelo livro sem se identificar um pouco com Chris.
Somos — ou fomos — obcecados por alguém, mas que ao fundo era apenas um choque para questão mais profundas virem à tona. O que desejamos? Pelo o que nos apaixonamos? O que isso nos conta sobre nós mesmos? Qual nossa posição social e no mundo em relação a isso?
Marquei muitas coisas, Chris tem o dom de tornar o banal algo afiado. Todos nossos sentimentos são pontiagudos. Tradução de Taís Cardoso e Daniel Galera.
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"conhecemos Harriet, suas três máscaras, e como a ideia de outro corpo, de outro ser, de outro sexo assombrava e encantava a artista" migo, isso que você falou me lembrou ecos de um livro que li ano passado, 'rostos na multidão', da Valeria Luiselli...
vou procurar os dois romances da siri hustvedt pra comprar na estante virtual, ame!!!
ótimas dicas, como sempre! adoro livros com essa pegada ensaística... vi que tem adaptação de Eu amo Dick, você já assistiu?
amei as dicas! tenho eu amo dick aqui ❤️ quero ler